EMENTA: DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL – OBRIGAÇÕES – RESPONSABILIDADE CIVIL – ACIDENTE DE TRÂNSITO – PROCEDÊNCIA DA LIDE PRINCIPAL E SECUNDÁRIA EM 1º GRAU – IRRESIGNAÇÃO DOS RÉUS – SEGURADORA - RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA – CARACTERIZADA – IRRESIGNAÇÃO DA SEGURADORA/LITISDENUNCIADA – CULPA DOS LITISDENUNCIANTES - IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME – ATO DE DISPOSIÇÃO DO SEGURADO – RECURSO LIMITADO ÀS QUESTÕES DA LIDE SECUNDÁRIA – NÃO CONHECIMENTO
É possível a condenação solidária da seguradora/litisdenunciada até o limite da apólice e incluídas as verbas sucumbenciais.
Deixando o réu/segurado de apelar contra sua condenação na lide principal, sua seguradora (litisdenunciada), ao recorrer, não tem legitimidade recursal para questionar sobre questões outras que não sejam contrato de seguro entre litisdenunciante e litisdenunciada.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2004.031704-8, da comarca de Itaiópolis (Vara Única), em que são apelantes e apelados Soetur Turismo Ltda Me, Paulo Soethe e Bradesco Seguros S.A, sendo apelada Hannover Internacional Seguros S/A:
ACORDAM, em Segunda Câmara de Direito Civil, por votação unânime, dar provimento ao recurso dos réus Soletur Turismo Ltda. Me. e Paulo Soethe para condenar solidariamente a seguradora/litisdenunciada Bradesco Seguros S/A e não conhecer do recurso da litisdenunciada Bradesco Seguros S/A por ausência de interesse recursal. Custas legais.
RELATÓRIO
Hannover International Seguros S/A propôs Ação Regressiva de Indenização contra Soletur Turismo Ltda. ME., e Paulo Soethe, objetivando o pagamento do valor suportado pela autora para pagamento do veículo de seu segurado, o qual teve que reparar, em virtude de contrato de seguro.
Narra que seu segurado, no dia 25 de fevereiro de 1999, dirigindo o veículo Peugeot 306, placas LXP -2222, na Rua Otto Boehn, sentido Bairro/Centro, se envolveu num acidente de trânsito ocasionado pelo requerido que, conduzindo o ônibus Scania k113, placas MAD 0978, trafegando na Rua Blumenau, não respeitou o semáfaro vermelho no cruzamento dessas ruas, abalroando a lateral esquerda do automotor segurado.
Relata que em virtude do acidente suportou danos no importe de R$ 20.739,40 (vinte mil, setecentos e trinta e nove reais e quarenta centavos), pugnando pela condenação acrescida de verbas de sucumbência.
Citados, os réus apresentaram contestação, requerendo, preliminarmente, a denunciação de Bradesco Seguros S/A. No mérito, aduziram que a culpa no evento danoso é do condutor do veículo segurado, pois foi este que avançou o sinal vermelho, haja vista que o ônibus cruzou a via quando o sinal ainda estava amarelo para ele. Ademais, impugnou o quantum pleiteado, argumentando que o impacto foi insuficiente para acarretar a perda total do veículo.
Réplica às fls. 74/83.
Citada, a seguradora Bradesco aceitou a litisdenunciação e contestou o feito reiterando a tese defensiva dos réus.
Em audiência, realizou-se a oitiva de três testemunhas do autor (fls. 171/173) e uma testemunha dos réus (fls. 201).
Instruído o feito, o Magistrado a quo julgou procedente o pedido veiculado na exordial, condenando os réus ao pagamento de R$ 19.150,00 (dezenove mil, cento e cinqüenta reais) de custas e de honorários advocatícios no importe de 15% (quinze porcento) sobre a condenação, além de julgar procedente a denunciação de Bradesco Seguros S/A (fls. 207/212).
Irresignados com a prestação jurisidicional entregue, os réus Soletur Turismo Ltda. e Paulo Soethe interpuseram recurso de apelação requerendo a condenação solidária da litisdenunciada Bradesco Seguros S.A. ao pagamento do valor da condenação até o limite da apólice, além dos honorários advocatícios.
Outrossim, insatisfeita com a prestação jurisdicional entregue, a litisdenunciada Bradesco Seguros S.A interpôs recurso de apelação, reiterando os argumentos da peça defensiva.
Contra-arrazoados, os autos subiram a esta Superior Instância.
É o relatório.
VOTO
Conheço do recurso dos réus porque preenchidos os requisitos objetivos e subjetivos de admissibilidade.
1. Recurso dos Réus:
Trata-se de recurso de apelação interposto pelos réus Soletur Turismo Ltda. ME. e Paulo Soethe contra decisão de 1º grau que os condenou ao pagamento de indenização de R$ 19.150,00 (dezenove mil, cento e cinqüenta reais) acrescido de verbas sucumbênciais.
Buscam os apelantes a reforma do decisum monocrático para que a litisdenunciada/seguradora Bradesco seja condenada diretamente ao pagamento da verba que lhes foi imposta, e não apenas que seja reconhecido o direito de regresso dos réus contra a litisdenunciada.
Em princípio, a responsabilidade da seguradora decorre de direito regressivo, conforme se extrai claramente do art. 70, III, do CPC, o que arredaria, tecnicamente, a responsabilidade solidária.
Todavia, com a evolução da matéria na doutrina e nos pretórios pátrios, tem-se admitido o ajuizamento direto da demanda em face da seguradora e dos causadores do evento, o que ensejaria a admissão do pedido recursal em condenar solidariamente a litisdenunciada.
Sobre o tema traz-se a lume excerto desta colenda Segunda Câmara de Direito Civil, de minha relatoria, em que matéria foi exaustivamente debatida:
"Daí emerge que resultando facultativa a denunciação no caso de contrato de seguro de responsabilidade civil, subsiste viável a detonação de demanda autônoma contra a seguradora.
"Ademais, militam em favor desse mesmo entendimento os princípios da instrumentalidade, da solvabilidade, da economia e da celeridade.
"Afinal, não seria de se admitir que, sendo o processo um instrumento de composição de litígios e de realização da Justiça, o imperativo maior da concretização do direito material fosse embaraçado pelo injustificado apego ao fetiche da forma.
"Da mesmo sorte, resulta elementar que a responsabilidade, ao final, nos limites da apólice, seria mesmo vertida à seguradora, que detém indubitável solvabilidade, pelo que a propositura da ação diretamente contra ela também condiz com os princípios da economia e da celeridade.
"Enfim, o Código Civil de 2002 parece ter abraçado a tese da ação direta, ao dispor, em seu art. 787, que 'no seguro de responsabilidade civil, o segurador garante o pagamento de perdas e danos devidos pelo segurado a terceiro', estabelecendo ainda o art. 788, mesmo que especificamente para os seguros obrigatórios, que 'nos seguros de responsabilidade legalmente obrigatórios, a indenização por sinistro poderá ser paga pelo segurador diretamente ao terceiro prejudicado" (TJSC, 2ª Cam. Dir. Civ., Rel. Des. Monteiro Rocha, Apelação cível n. 2004.025481-4, j. 28-10-2004)
Sobre o novo regime, aliás, disserta Humberto Theodoro:
"No caso de seguro de responsabilidade civil, tem decidido o STJ que, reconhecido o dever de a seguradora denunciada honrar a cobertura do sinistro, é permitido ao julgador proferir decisão condenatória diretamente contra ela. A posição do STJ, que se formou antes da vigência do atual Código Civil, parece ter encontrado acolhida pela sistemática constante do art. 787 do novo estatuto legal, que tem sido interpretado como fonte de um direito próprio da vítima para exigir diretamente da seguradora a indenização a que tem direito, dentro das forças do seguro". (Curso de Direito Processual Civil, Rio de Janeiro, Editora Forense, v.I., 41ª ed., 2004, p. 115)
Em arremate, colhe-se desta Corte de Justiça::
"A responsabilidade da seguradora/denunciada não está embasada na culpa deste ou daquele pelo infortúnio, mas no contrato de seguro que celebrou com a empresa de transportes/denunciante, cuja apólice foi juntada aos autos. Não há como excluir a seguradora da responsabilidade civil solidária no ressarcimento da indenização" (Apelação cível n. 02.017806-9, de Concórdia, Rel. Des. Wilson Augusto do Nascimento).
Portanto, é possível a condenação direta da seguradora até o limite da apólice de seguro, pois a seguradora terá por obrigação contratual e legal que arcar com o valor da apólice, e a antecipação deste pagamento, diante da grande solvabilidade das empresas seguradoras, implica na agilização da efetividade da prestação jurisdicional.
Assim, condena-se solidariamente a seguradora ao pagamento das verbas impostas no decisum principal, incluída a verba sucumbencial.
2) Recurso da Listisdenunciada/Seguradora:
Busca a apelante Bradesco Seguros S/A a reversão do decisum a quo para que seja afastada a responsabilidade civil dos requeridos no acidente de trânsito e, por conseqüência, a condenação que lhes foi imposta, ou, alternativamente, a minoração do quantum indenizatório arbitrado.
Impreterível ressaltar que no tocante à discussão da responsabilidade civil falta interesse recursal à litisdenunciada.
A recorrente/seguradora não guarda nenhuma relação de direito material com a autora da ação, existindo apenas vínculo jurídico entre ela e a segurada (proprietária do automóvel), descabendo, por conseguinte, discussão a respeito do sinistro, posto ser matéria que não afeta a seguradora.
Cito, a respeito do assunto, o julgamento da Apelação cível n. 03.026843-0, de Barra Velha, onde consta em sua sub-ementa, o seguinte:
“Participando o segurado da lide e produzindo provas sobre sua culpabilidade, a seguradora não tem legitimidade recursal para, isoladamente, questionar a relação jurídica principal envolvendo segurado e vítima. Sua defesa limita-se, em tais hipóteses, a questões objeto da lide secundária – contrato de seguro” (julgamento relatado por este relator).
Do corpo do acórdão, extraio o seguinte excerto fundamentado:
"Em suma, as obrigações e direitos do segurado em relação à vítima (e seus sucessores, em caso de morte) não pertencem à seguradora, pertencem ao segurado, é óbvio. A seguradora apenas assumiu contratualmente o risco de, sendo o segurado obrigado a indenizar, responder nos limites do contrato de seguro.
"Na hipótese concreta, o segurado foi chamado ao processo e apresentou defesa, produzindo provas para demonstrar que não agiu com culpa grave. Após instrução processual, restou vencido e condenado a indenizar, conformando-se com a decisão proferida.
"Sendo o segurado o sujeito da relação jurídica de direito material com os autores, possui ele direito de disposição sobre essa relação jurídica, sem afetar a responsabilidade contratual da seguradora denunciada. A última, tendo em vista que o segurado apresentou manifestação sobre sua culpabilidade e buscou sua defesa, limita-se, na lide secundária, a avaliar aspectos de sua responsabilidade contratual, vale dizer, se está obrigada a ressarcir danos materiais e morais causados e o limite de sua responsabilidade. Não pode ela, sob pena de substituir extraordinariamente o segurado sem previsão legal, apresentar manifestação sobre relação jurídica de direito material da qual não faz parte.
"No contexto dos autos, e considerando que a seguradora não tem relação jurídica de direito material com os autores, figura ela, na lide principal, como mera assistente simples do réu e não pode, neste recurso, questionar a obrigação e o valor indenizatório a que foi condenado o segurado, que inclusive não contestou a ação, aceitando a procedência do pedido inicial" (DIDIER JÚNIOR, Fredie e WAMBIER, Tereza Arruda Alvim (coordenadores), Denunciação da lide no Direito Processual Civil Brasileiro, pp. 199 e 206 e Aspectos Polêmicos e Atuais sobre os Terceiros no Processo Civil e Assuntos Afins. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 369).
Mais importante que as regras processuais que norteiam e disciplinam o instituto da denunciação da lide, urge observar as relações jurídicas de direito material que envolvem as partes.
Neste contexto, conformando-se a segurada com o decreto condenatório que lhe foi imposto, não pode a listidenunciada insurgir-se contra ato de disposição da parte diretamente interessada, cabendo aqui a aplicação da premissa de que quem pode o mais – desistir, reconhecer ou transigir –, pode o menos – conformar-se com a decisão e não interpor recurso.
Sendo a segurada o sujeito da relação jurídica de direito material com a autora, possui ela direito de disposição sobre essa relação jurídica, sem com isso afetar a responsabilidade contratual da seguradora. A última, a seguradora - a segurada contestou sua culpabilidade e buscou sua defesa -, deve limitar-se a avaliar aspectos de sua responsabilidade contratual, vale dizer, se está obrigada a responder perante o segurado, e, em caso afirmativo, o limite de sua responsabilidade. Não pode a seguradora, sob pena de substituir extraordinariamente a segurada - sem previsão legal -, apresentar manifestação sobre relação jurídica de direito material da qual não faz parte.
A persistir o entendimento de que a seguradora pode prosseguir no exame da responsabilidade civil da requerida pelo evento causado, a segurada passa a ficar sem possibilidade de compor amigavelmente o prejuízo que tenha causado.
Voto para não conhecer do recurso da litisdenunciada - por ausência de pressuposto subjetivo de admissibilidade - quanto à responsabilidade civil dos requeridos Soletur Turismo Ltda. Me. e Paulo Soethe, por ausência de legitimidade e interesse em recorrer.
Ante o exposto, dou provimento ao recurso dos réus para condenar solidariamente a seguradora/litisdenunciada Bradesco Seguros S/A e não conheço do recurso da litisdenunciada Bradesco Seguros S/A.
DECISÃO
Nos termos do voto do relator, esta Segunda Câmara de Direito Civil, à unanimidade de votos, decide dar provimento ao recurso dos réus para condenar solidariamente a seguradora/litisdenunciada Bradesco Seguros S/A e não conhecer do recurso da litisdenunciada Bradesco Seguros S/A por ausência de interesse recursal.
O julgamento, realizado no dia 20 de setembro de 2007, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Mazoni Ferreira, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Des. Luiz Carlos Freyesleben.
Florianópolis, 20 de setembro de 2007.
MONTEIRO ROCHA
Relator
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRASIL, STJ - Superior Tribunal de Justiça. TJSC - Civil. Responsabilidade civil. Acidente de trânsito. Procedência da lide principal e secundária. Seguradora. Responsabilidade solidária. Caracterizada Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 set 2010, 22:05. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/jurisprudências /21439/tjsc-civil-responsabilidade-civil-acidente-de-transito-procedencia-da-lide-principal-e-secundaria-seguradora-responsabilidade-solidaria-caracterizada. Acesso em: 24 nov 2024.
Por: TJSP - Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Por: TRF3 - Tribunal Regional Federal da Terceira Região
Por: TJSC - Tribunal de Justiça de Santa Catarina Brasil
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